O Paul vem há muito tempo reunindo informações sobre essa F-1000 e enviou o material pra que eu pudesse dar continuidade.
Achei o assunto incrível, eu nem imaginava uma história dessa e é por isso que estamos aqui.
A Antártica passou a estar “próxima” do Brasil e a Ford em acordo com a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, preparou uma F-1000 para servir de transporte de pessoal, equipamentos de pesquisa e materiais em geral. Seria também uma forma da Ford testar seu equipamento e engenharia em situações extremas.
O Globo 18.11.1987 |
Às 10h20 do dia 17 de novembro de 1987, o navio Barão de
Teffé deixou o cais da Praça Mauá (RJ) iniciando a sua sexta expedição à
Antártica.
Ele levava 95 pessoas e 1 Pick-up Ford F-1000, um trator e
um hover-light.
O jornal fala das pesquisas, das pessoas envolvidas, mas vamos
focar na viagem e na F-1000.
No dia 21/11, o navio chegaria ao porto de Rio Grande (RS)
onde ficará atracado por 3 dias até sair em direção à estação Comandante
Ferraz, na Antártica, com chegada prevista para o dia 3/12.
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E aqui vemos a bruta F-1000 sendo carregada no navio Barão de Teffé.
Jornal do Comércio 19.11.1987 |
Olha, esse navio transportava muitas cargas especiais,
mas a F-1000 é o centro da nossa pesquisa né?
A F-1000 foi desenvolvida para o “Projeto Antártica” e
aproveitou as várias experiências adquiridas durante os testes de
desenvolvimento da linha do Escort na Europa, em condições por vezes
semelhantes as existentes no Polo Sul.
Ela possui:
Motor diesel de 4 cilindros e 83cv de potência (MWM
229-4);
Tração nas rodas traseiras com sistema antiderrapante
“Twin-Drive” (bloqueio de diferencial);
Sistema de partida com um reservatório de combustível com
mistura de querosene e diesel;
Os líquidos de refrigeração do motor, dos freios, da
bateria e o sistema de lubrificação também receberam tratamentos especiais.
A equipe da Ford utilizou também seu Campo de Provas em
Tatuí (SP) onde fez testes do equipamento na câmara fria que consegue atingir a
temperatura de até -40oC.
A F-1000 Projeto Antártica em Tatuí ainda com a
placa de testes. - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Diário do Paraná 22.11.1987 |
Este jornal completa o nome da cor: Vermelho Maçã. Diz
também que esta F-1000 seria o primeiro veículo automotor da categoria a ser
utilizado na estação Brasileira.
Correio de Notícias 23.11.1987 |
Aí está, o primeiro veículo nacional na Antártica. Ela
foi criada dentro do Departamento de Engenharia de Caminhões.
Vemos mais detalhes de suas modificações:
Sistema de partida do motor – similar ao utilizados em motores à álcool, o reservatório recebeu uma mistura de óleo diesel e querosene além de uma resistência elétrica (vela) montada na parte interna do coletor de admissão que, acionada manualmente pelo motorista o sistema liga, simultaneamente, a resistência - que se torna incandescente – e injeta o combustível do reservatório. Ao ser pulverizado sobre a vela ocorre a queima da mistura, com partida imediata mesmo em temperaturas abaixo de 25 graus negativos.
Detalhe da F-1000 Projeto Antártica em Tatuí. - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Todo o sistema elétrico foi superdimensionado, recebendo
um alternador de 12 volts e 40 A/H e duas baterias de 54 A/H.
Detalhe da F-1000 Projeto Antártica em Tatuí. - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Liquido de refrigeração do motor e do lavador do
parabrisa foram ativados com etileno-glicol, elemento químico retardador do
congelamento.
Os cuidados estenderam-se também aos fluídos de freios,
solução da bateria e aos óleos e graxas do sistema de lubrificação.
Para assistência imediata, acompanhava o veículo, caixa de componentes como mangueiras, reles, lâmpadas, fusíveis, conjunto de rodas/pneus ferramentas e até um parabrisa.
O uso da F-1000 substituiria o Ski-doo, espécie de
motocicleta para neve e do trenó puxado por um pequeno trator que eram os
únicos veículos disponíveis na região.
Ela vai agilizar e facilitar o trabalho de apoio
logístico, substituindo o esforço muscular pela versatilidade e capacidade de
carga do veículo.
Será uma prova dura de resistência, pois as temperaturas
oscilam entre 5 e 25 graus negativos de forma permanente e os caminhos são
rudimentares cobertos por cascalho quase sempre encharcados pela neve e muitas
vezes até congelados.
Este jornal deu uma visão abrangente da missão da F-1000
na Antártica. Em momento algum foi dito que haveria um representante da Ford
para acompanhar ou fazer os eventuais reparos na caminhonete. Também não foi
dito que o motorista teria recebido algum tipo de treinamento para a condução
desse veículo nessas condições. Ou seja, a F-1000 estaria por conta própria lá
no fim do mundo.
Podemos aguardar dois grandes desafios: As baixas temperaturas e o terreno
escorregadio.
Jornal do Comércio 1.12.1987 |
Por mais modificações que a caminhonete tenha sofrido,
ainda era um veículo de linha de produção normal. É claro que não tinha a opção
de comprar uma F-1000 na concessionária com o pacote Antártica, mas também não
era um protótipo criado exclusivamente para essa missão.
Correio Braziliense 3.12.1987 |
As adversidades do clima e do terreno da Antártica, atraíram a Ford para o “Projeto Antártica".
Mais detalhes da F-1000:
Não conta com sistema de calefação interna. A justificativa de engenharia é que o ar quente dentro da cabine produziria choque térmico.
Apesar da novidade, este Pick-up não pode ter sua performance divulgada nos EUA. É que ele usa motorização diesel MWM, o que só ocorre no Brasil. Além disto, nos Estados Unidos este modelo já não é produzido há um bom número de anos.
Interessante a questão do isolamento interno, mas sobre a
divulgação dos resultados de performance nos EUA, acredito que o “não pode
ter...” significa mais que não traria interesse algum, pois é uma opção de
motor que eles não têm, num veículo que já está fora de produção. Tanto é que a
Ford não escondeu este assunto de ninguém.
O Globo 6.12.1987 |
No dia 6/12, o navio já teria chegado ao seu destino.
O jornal traz mais do contexto da história e apresenta
também a F-1000.
Aqui é dito que ela foi cedida pela Ford em comodato (ao
Programa Antártico Brasileiro, talvez...), pois tem interesse em saber como a
tecnologia aplicada se comporta em um clima tão peculiar.
Helio Perini era o engenheiro responsável pelo Departamento de Engenharia de Caminhões, onde o Projeto Antártica nasceu. Ele dá mais detalhes:
A Marinha pediu que:
Tivesse guincho na dianteira e traseira;
Fosse na cor vermelha para destacar o veículo no
ambiente;
Suporte para 1 tonelada de carga na carroceria e
Pneus próprios para lama e gelo.
É legal pesquisar assim, as informações vão aparecendo e
fazendo cada vez mais sentido...
A própria experiência da Marinha nesses 5 anos de
Proantar, ajudou a preparar a F-1000 da melhor forma para dar conta do serviço.
Jornal de Guarulhos 2 e 3.1.1988 - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Correio Popular 4.1.1988 - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Super Auto 2.1988 - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
O Carreteiro 3.1988 - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Jornal da Tarde 23.3.1988 - Acervo Paul W. Gregson / Ricardo Muneratto |
Lemos que a F-1000 foi batizada como Punta Arenas e que
os muito locais encharcados com cascalhos escorregadios tornaram a vida na
nossa caminhonete um terror. Ela não conseguia passar por essas situações e
atolava.
O Fuzileiro e mecânico da Marinha, Jorge Barbosa Sobrinho, disse que ela preenchia a todos os requisitos, mas fazia falta uma tração 4x4.
Lembrando que a tração 4x4 ficou disponível para a F-1000 apenas em 1994.
Ela era utilizada nos terrenos mais firmes e compactados. No passeio realizado para a matéria do jornal, eles saíram mas acabaram atolando em uma parte de terreno fofo e escorregadio. A Punta Arenas acelera e tem força, mas infelizmente não tracionava para conseguir sair. O motorista Jorge foi com jeitinho e sem ajuda, saiu do atoleiro. Para vencer essas regiões de atoleiro, ele precisava passar correndo e acelerar o máximo, forçando bastante a estrutura e o motor da F-1000, mas nesse ponto ela era imbatível com sua grande resistência. Imagina os solavancos que ela sofria...
O Jorge Sobrinho ainda diz: "A Punta Arenas tem muita
estabilidade, é segura e me sinto seguro com ela. O aquecedor do tubo de
admissão funciona bem e permite que a partida ocorra facilmente."
Era ele que dirigia a F-1000 e usava mais a 1ª e 2ª
marcha.
Mas aí chegou correntes para conferir maior tração aos pneus da F-1000. Acontece que com o atrito das pedras, as correntes se partiram. Mostrando que o terreno é praticamente intransitável para um veículo de linha de produção.
https://naftalina-retro.tumblr.com/ |
Manchete 23.4.1988 |
Aqui podemos ver melhor a placa amarela registrada em São Bernardo do Campo.
A Amazônia representa uma localidade para uso extremo de qualquer veículo, mas como a F-1000 se deu bem na Antártica, o que iria temer?
De fato, a Ford é considerada a melhor fabricante de caminhonetes do mundo. A F-1000 brasileira deixou de ser produzida em 1999, mas até hoje é uma das caminhonetes preferidas para o trabalho pesado.
A princípio o Paul gostaria de encontrar essa caminhonete. Ele apurou que após ter voltado da Antártica, ela serviu para o trabalho no autódromo de Interlagos por um tempo, sendo depois doada para caridade. Quem sabe um dia ela aparece...
Obrigado pela leitura, até a próxima!
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